sexta-feira, 21 de outubro de 2011

FÉ CEGA (Parte 3ª/3)

(continuação da penúltima postagem)

“Pirou de vez”, pensou o vizinho, enquanto observava, aborrecido, o semicírculo de curiosos que se formava diante dele assuntando a conversa.

— Você sabia que eu tenho o corpo fechado?

“Mais essa...”

Ante o ar desenxabido com que a revelação fora recebida, Ditão vangloriou-se:

— Foi Santo Antônio que fechou! — Vendo a cara de descrença do vizinho e o ar parvo no rosto dos demais, desembestou: — Então, não é ter o corpo fechado escapar do coice do burro Barnabé? Ninguém que passa atrás dele escapa, e eu escapei da cacetada que ele tentou me pespegar!

Cabeças balançaram, no meio do povo à sua frente, em sinal de assentimento. Afinal, Ditão sempre rematava a vestimenta com chapéu e botinas, merecia respeito.

Animou-se com a aprovação popular:

— Lembram-se da colmeia no oco da árvore, aqui mesmo na pracinha? Pois é, todo mundo lembra! Agora me digam se é ou não é proteção do santo, as abelhas enxameando, picando muita gente, fazendo escarcéu; e eu, eu mesmo, sem uma mordida, nem uma picadinha... — desembuchou Ditão. Desafiou:

— Até bala o santo segura! Duvida?

Exaltado, retirou a espingarda do ombro de Simeão e colocou-a nas mãos dele:

    Atire, Simeão! No rumo do coração. Vou provar que o santo me protege.

    Isso não vai dar certo, home!

    Vai, sim! Então você vai acreditar, seu ateu! Atire!

O tiro soou no meio da pracinha, assustando os pardais.

Simeão colocou a espingarda novamente a tiracolo e caminhou para fora do triste arremedo de jardim, acompanhando a debandada dos pardais.

— Eu falei que isso não ia dar certo, home!
      
                                                                        F I M

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