sábado, 2 de fevereiro de 2008

FELICIDADE EM PROSA E VERSO

Liguei o computador e consultei as tarefas agendadas. No campo apropriado, constava: “Preparar material para o concurso de contos, crônicas e poesias. Tema: Felicidade”.
Porém, paralisou-me aquela inércia de que se queixam alguns escritores e que às vezes os imobiliza no início de um trabalho, justamente quando eu tentava definir a tal felicidade. Registrada no meu “aurélio”, encontrei a seguinte nota: “Felicidade. Qualidade ou estado de feliz; ventura, contentamento”. Não ensinava como obter a qualidade ou atingir o estado de feliz. Mas os meus filhos me chamam de “feliz” se conto para eles uma piada menos engraçada ou faço um trocadilho forçado, fato corriqueiro, segundo eles, não sei por quê. Não fiquei feliz com a definição do dicionário, e discordo do uso que meus filhos fazem dessa palavra. Mergulhei, então, num processo de ebulição mental que, feito um caldeirão de água fervente, produzia muito vapor mas não oferecia sustento. A intensa meditação não me concedeu a ventura de acertar com o significado perseguido.
Para escapar do labirinto que me desviava do encontro com a felicidade, resolvi começar o trabalho pela poesia. Eu achava que seria mais fácil. O tema do concurso deu-me o mote para uma quadra:

LEMBRETE
Tenho muita alegria
Quando sinto Saudade...
Sem ela eu esqueceria
A perdida Felicidade!

Da qual não gostei muito. Quero dizer, pareceu-me que a trova destacava a saudade, quando meu desejo era ressaltar a felicidade exigida pelo regulamento. E, de qualquer maneira, ela não serviria para o certame, porque uma de suas cláusulas exigia um mínimo de oito versos sobre aquele agradável estado de espírito. Não podia acrescentar outra quadra à primeira e terminar presenteado com um remendo. Desperdicei meu português. É no que dá ler instruções pela metade! Além disso, a quadrinha incorpora um verso de conotação negativa: “A perdida Felicidade!” Prefiro lidar com assuntos alegres e amenos, as coisas graves e profundas já têm quem delas se encarregue.
Mas eu disse que imaginava ser a poesia o trabalho mais fácil e, por isso, ia iniciar por ela o meu exercício. Deve ser porque esqueci as minhas limitações, e também porque o tema revelou-se tão escorregadio. Aliás, um tema que foi sobejamente cantado, em prosa e versos, por autores como o poeta Vinicius de Moraes, na letra da conhecida canção “A Felicidade”, que deixaram aos retardatários, como eu, magras opções para criar um texto mais original.
Gastei horas ruminando inutilmente as informações colhidas. Já ia desanimar, adiar outra vez o trabalho, quando percebi, por um feliz acaso, que estava com o material pronto, não para um conto ou uma poesia, mas para esta crônica sobre a felicidade. A felicidade perseguida o dia inteiro, por insuspeitados desvãos da lembrança, mas que teimou em se ocultar. Também a felicidade, essa felicidade idealizada e cobiçada pelo imaginário popular, nunca foi mesmo uma companheira fiel para mim. Acho até que para mais ninguém...

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