domingo, 20 de abril de 2008

ZÉ BOM CABELO 1 (parte 1ª/2)

Zé Bom Cabelo – que Deus o tenha – era a encarnação do famoso jeitinho brasileiro. Por necessidade, ferroviário... Profissão desgastante, de trabalhos pesados, mas que lhe dispensou lustrar os bancos escolares mais que o suficiente, como pensava, e ainda lhe proporcionava desfrutar de um dos seus maiores prazeres, o flerte com as mocinhas das casas à beira-linha das pequenas cidades mineiras por onde passavam as composições que conduzia. Todas as meninas cativadas pelo sorriso alvar do bom crioulo, principalmente as de Raul Soares, seu torrão natal: além da deslavada paquera, também o tinham como par, dos mais requisitados, nos forrós caseiros ou nas domingueiras do clube.
Sua outra alegria, naturalmente, era o futebol, rubro-negro coração...
Pelos idos de l950, precisamente no dia l6 de julho, data do jogo decisivo da Copa Jules Rimet, a Seleção Canarinho jogava seu poderio contra o temível esquadrão do Uruguai. Uma verdadeira guerra mundial da pelota deflagrada em território brasileiro.
O Zé, nessa data fatídica para o nosso esporte, comandava as alavancas, freios e apito de lustrosa maria-fumaça, vaca-madrinha de um comboio de carga que rumava para Ponte Nova. A aflição de não poder ouvir a transmissão radiofônica do jogo dominava-o, e aos seus colegas da tripulação do trem. À época, não havia ainda os rádios portáteis. Os que funcionavam com pilhas eram verdadeiros elefantes brancos, não podiam ser facilmente transportados. Ainda que fossem, os caraminguás que pingavam do envelope de pagamento do Zé, no fim de cada mês, não esquentavam lugar no seu bolso nem lhe permitiriam o luxo de adquirir uma daquelas “maravilhas” da eletrônica vigente.
Como fazer?
Para esta pergunta procuravam todos, no trem, uma resposta, enquanto os vagões rolavam lentamente pelo bitolado roteiro: tchuc, tchuc, piiiuuuuuii... Algum tanto mais à frente, pararam todos, vagões e tripulantes, aqueles com o característico fragor e ranger de ferros, num daqueles lugarejos surgidos em torno e a propósito de uma estaçãozinha e de uma caixa-d´água, para reabastecimento do líquido e da lenha para a caldeira.
A interrupção da viagem normalmente seria breve. Mas, o rádio do chefe da estação proclamava, naquele momento, os preparativos iniciais da grande peleja. A locução, conseguindo trazer àquele ermo as emoções do comentarista, induziu os desesperançados ferroviários a juntarem-se à pequena multidão comprimida em volta do medonho aparelho. Mesmo que por uns instantes, poderiam ouvir algo sobre o distante acontecimento. Escutar os acordes do glorioso Hino Nacional lhes permitiria, com certeza, prelibar o sucesso que certamente haveria de premiar os heróis do Escrete de Ouro.
(continua)

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