segunda-feira, 21 de abril de 2008

ZÉ BOM CABELO 1 (parte 2ª/2)

(continuação)
Em Ponte Nova, o velho relógio de parede, colocado atrás e acima da cadeira do chefe da estação, assinalava dez horas da noite em seus algarismos romanos de lavra inglesa. Cofiando o bigodão, tenso e sem desgrudar os olhos do telégrafo, o titular daquela sóbria sala desesperava-se com a demora do trem do Zé Bom Cabelo. Era inútil deixar-se ficar espreitando a solerte máquina, ele sabia. Não estava transmitindo, pois o defeito da linha ainda não tinha sido localizado. Nada podia fazer, senão tentar compreender como o telegrafista podia ficar tão tranqüilo, fumando e lendo um jornal “amanhecido”, num momento como aquele.
Lá fora, na plataforma, o rebuliço era geral. Pensava-se que houvera descarrilhamento. Acidente feio, com toda garantia, tinha acontecido, ora se não tinha.
Nunca o cargueiro demorara-se tanto, sem notícias; o atraso não era normal.
Ultrapassando os limites da hierarquia, um guarda-freios – talvez irritado com o imprevisto acréscimo das suas horas de trabalho – atreveu-se a comentar com um comissário que estava ao seu lado: – Atraso é atraso, mas assim também já é demais!
Pior que a espera era a falta de notícias, por causa do telégrafo mudo. O rompimento da fiação, ou seja lá o que for, perto de Rio Casca, onde chovia torrencialmente, continuava na mesma defeituosa situação. Era o diabo...
Finalmente, ouviu-se um longo apito, e o brilho do farol por entre o casario das margens da ferrovia confirmou aos ponte-novenses presentes que “não há bem que sempre dure, nem mal que nunca acabe”... Com um atraso de quase seis horas, despontou o cargueiro aos olhos dos vadios, dos notívagos, dos curiosos e dos funcionários, que confraternizavam-se despreconceituosamente na espera.
– Fato sem igual, em tão pequeno percurso! – bradava o chefe da estação. Vermelho como um pimentão maduro, perdeu a calma habitual na hora das imprescindíveis explicações, enxertando na verborréia que perorava um grandiloqüente palavrão, ainda hoje censurado. Saber o motivo de tamanho despropósito em nada contribuiu para amainar sua cólera. Não achava justificativa para o indesculpável sumiço de um dos pinos de engate dos carros – alegado como motivo do atraso pelos tripulantes –, sem o qual pelo menos um dos vagões teria de ficar para trás. E o que dizer da incrível ausência de peças sobressalentes, quer na composição, quer na pequena estação onde pararam?
Teve o chefe de engolir, como pôde, a estória, adicionando ainda à sua cólera a mágoa que seus colegas, tripulantes do cargueiro, conseguiram acumular no providencial atraso que os obrigou a testemunhar, auditivamente, a ultrajante derrota dos brios futebolísticos nacionais, naquela tarde nefasta, em pleno gramado do Maracanã.
Das explicações passou-se, naturalmente, aos azares do futebol. Perdida para sempre, a propósito, a oportunidade de tomar conhecimento da reação do chefe – que nada perguntou, por esquecimento ou distração – se lhe contassem que o pino foi “achado”, depois da transmissão do jogo, dentro dos folgados bolsos das calças do fabuloso Zé Bom Cabelo.
F I M

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