domingo, 31 de agosto de 2008

MANIA (parte 3ª/3)

(continuação)
Pois foi assim não-sei-por-quê, e assim foi também da vez aquela na ponte, na minha cidade lá embaixo, onde muitos se lembram. Sob a ponte o rio regurgitava, de enchente brava cheio. Era de noite, noturno palco...
O pessoal, por ali, perto da ponte, passeando na barriga o jantar ou a falta dele. E eu, aperreado, com as umas-e-outras tomadas “providências” já fazendo evoluções na “moringa”, o nada a fazer, e, de repente, a boa idéia... Trepei no corrimão da ponte, com as pernas bambas mas firme no propósito, e conclamei as particulares e gerais atenções:
- Adeus, mundo cruel, eu me vou, e já vou tarrrdeeeee...
Não me recordo do discurso todo que fiz antes desse tragicômico arremate; mesmo assim, a oratória utilizada - repleta de lugares-comuns pertinentes a um bêbado suicida -, proporcionou-me um considerável ajuntamento. Divisei, no meio do povo, o Toninho da Durica com a cara preocupada pelo rumo que as coisas iam tomando, pois eu lhe devia uma nota firme, de jogo, há muito tempo; já o Dezico Pé-de-Meia parecia satisfeito: na primeira fila, assistia de camarote, parecendo querer ajudar a empurrar-me, não porque tivesse certeza absoluta de alguma possível aventura minha com a mulher dele, cruel dúvida que permaneceria para sempre viva. Curioso era que a maioria que me ouvia exprimia o mesmo ar de satisfação ostentado pelo Dezico Pé-de-Meia.
Quando caí na água, por fim, o povaréu só ficou boquiaberto por um segundo. Logo, logo, escancararam a goela: “Gente, o Neves suicidou-se, se atirou da ponte, credo...” Do ajuntamento, com má vontade, alguém lembrou: “Vamos procurar!”
Pouca gente se mexeu. Não arredaram pé da contemplação da soturna correnteza os demais. Aqueles alguns mais corajosos pularam a pouca cerca de arame sobrando fora da água, iniciando a busca entre os arbustos e o capinzal meio submersos das margens. E não é que os filhos-das-mães que procuravam do lado de cá, por mais que eu me imiscuísse entre os juncos tentando me esconder, encontraram-me? Antes que pusessem definitivamente a boca no trombone, ainda tentei lhes sugerir: – Psiu! Psiu! Calma, calma, calma... Não me encontrem ainda não! Vejam se demoram mais um pouquinho...
Pois é, eu tinha mesmo mania de fingir a morte.
Interessante, penso agora, que ouvi um tipo dizer uma vez a meu respeito: “...quem procura, acha!”, pouco tempo antes de eu passar daquela para esta, ainda novo, bonitão, mas minado pela tísica, a cachaça e a mania.
F I M

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