sábado, 29 de novembro de 2008

FIDELIDADE ASSASSINA (parte 5ª/5)

(continuação)
As risadas de Pedro Paulo e seus dois amigos, ecoando do caminho que os trazia do poção do Corguinho dos Lambaris, onde estiveram nadando, não foram percebidas por Justino. O vespeiro que zumbia em seus miolos distraía-o de praticamente tudo em seu redor. Sentia-se desamparado, envolvido pela revolta surda dos humildes pisoteados que não têm para quem apelar. Desse jeito, seguia seu trajeto no mais completo alheamento, entretido em desfiar as suas mazelas.Encontraram-se na encruzilhada da aroeira. O caminho de Justino foi barrado pelos rapazes, que haviam pressentido a sua chegada.— Aonde você vai, Justino? — indagou Gaspar, excitado, acertando curtas cotoveladas nas costelas de Pedro Paulo para ressaltar a sua intervenção.Com um sobressalto, Justino parou. O grupo postara-se à sua frente de tal maneira que, para passar, ele seria obrigado a entrar no mato fechado.Pedro Paulo acercou-se da gamela erguida sobre a cabeça do rapaz. Correndo os dedos pelas fitas de celofane verdes e vermelhas, cujas pontas pendiam por baixo da alva toalha que cobria o assado, disse, cantarolando sarcasticamente:— Justininho está carregando alguma coisa bem gostosinha!... — E perguntou, de chofre, fingindo seriedade: — Aonde você vai? — Vô levá uma leitoa assada pra dona Teresinha, Pepê, não está vendo? Mandado de dona Amélia — respondeu Justino, tentando trazer a autoridade da patroa para aquela terra-de-ninguém.Os rapazes passaram a arreliar o mulato relembrando, com caretas gaiatas e risadas forçadas, as artes da tarde. Apelando para toda a sorte de macaquices, sempre insinuando a intenção de comer a leitoa, eles não o deixavam passar. Justino apalpou a faquinha de picar fumo presa em sua cintura. Procurava sufocar a sua raiva; queria, apenas, seguir adiante e cumprir sua obrigação. Mas a sua fidelidade estava à prova: como cumprir as ordens de dona Amélia sem provocar uma briga com o Pepê era um problema que só vinha aumentar a sua perturbação.Pedro Paulo propôs: — Você deixa a leitoa comigo, que nós a entregaremos para a dona Teresinha. Aí, você volta e fala pra mãe que fui eu que mandei... — Ato contínuo, levantou os braços para agarrar a gamela. Justino, num gesto de autodefesa, sacou a faca da cintura.— Sou eu que vou entregar a leitoa, Pepê. Dona Amélia mandou...A faquinha não intimidou Pedro Paulo. Ele continuou rindo, tentando tirar a gamela da cabeça de Justino. Numa última tentativa para forçar a passagem, Justino ergueu a mão direita e golpeou o peito de seu oponente, como se quisesse espantar uma incômoda mosca que ali estivesse pousada. Pedro Paulo caiu, sem um grito, e Justino passou pelos três, também em silêncio.Em volta de Pedro Paulo, esparramado no chão, morto, Gaspar e Baltasar se atarefavam em constatar a defuntice do amigo. Abriram a camisa ensangüentada de Pepê, inspecionaram o pequeno corte no peito, espantados de que uma ferida tão insignificante pudesse arrematar uma vida. Trocaram breves palavras, os seus gestos reproduzindo movimentos desordenados e apavorados. Por fim, recuperando algum controle, dispararam na direção da Ouro Verde, para avisar seu Chico Alvarenga e dona Amélia.Justino pôde cumprir, assim, tanto o que lhe fora ordenado por dona Amélia, quanto o que lhe tinha reservado o destino. Mas nunca ficou sabendo — segredo trancado a sete-chaves — que tirara a vida do próprio irmão.
F I M

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