domingo, 19 de abril de 2009

PARANOIA URBANA (parte 4ª/6)

(continuação da postagem anterior)
Durante o intervalo para o café, Mariana reuniu as folhas do trabalho já terminado e dirigiu-se à mesa de sua chefe. Em cima da mesa, um objeto prismático anunciava, em letras douradas sobre fundo azul, o nome “IONEIDE STELLA GOMES” e o cargo “CHEFE DE SEÇÃO”. Mas quem recebeu as folhas impressas das mãos de Mariana foi sua colega Valderez. Com um indisfarçável corpanzil, alimentado ininterruptamente com perigosas porções de calorias, Valderez tinha o riso fácil e contagiante das pessoas sempre bem- humoradas. Eficiente, dedicada, era sempre escolhida para substituir a chefe nos eventuais afastamentos, como agora que Ioneide Stella ausentara-se do serviço em férias. Valderez acolheu, com evidente satisfação, o convite que Mariana lhe fez para tomarem juntas o café. Na copa, Mariana e Valderez sentaram-se a um canto, afastadas dos outros funcionários e puseram-se a conversar, depois que cada uma serviu-se de um copo de leite e pão com manteiga.
Como é comum acontecer em um diálogo entre colegas de trabalho, a conversa delas enveredou por um rumo inesperado. Após algumas considerações sobre o mau tempo, Valderez estava falando sobre Ioneide Stella, a chefe ausente. Mariana ficou sabendo que Ioneide Stella, proveniente de família pobre, conseguira formar-se em engenharia, enfrentando, consequentemente, dificuldades sobrehumanas. Enquanto estudava, obtivera uma vaga de estagiária na firma, onde estava desde os vinte anos. As agruras que enfrentara, talvez, a tornaram secarrona. Valderez riu, relembrando a ocasião em que Ioneide Stella reduziu verbalmente a frangalhos um deputado que pretendia suborná-la a propósito de um fornecimento de material superfaturado, colocando-o em seguida porta afora.
Mariana lamentou-se com Valderez que não conseguia fazer amizade com sua chefe, e confidenciou-lhe que até receava sua rudeza. Valderez concordou, acrescentado que Ioneide Stella não concedia intimidade a ninguém, mostrando-se sempre extremamente severa com os subalternos. Ela era assim, disse Valderez, mesmo com os funcionários que se destacavam no cumprimento dos seus deveres. Enquanto trabalhassem direitinho, tudo bem; mas, ai! se saíssem dos trilhos... seriam imediatamente advertidos e colocados em seus respectivos lugares, como o escriturário que Mariana estava substituindo, que ela achava ter sido despedido por pura perseguição de Ioneide Stella. No fundo, no fundo, afirmava Valderez, devia haver ali um coração de pedra. Ela não o abrandava por nada deste mundo. Também tinha o costume de esconder meticulosamente a sua vida pessoal, “que não é da conta de ninguém”, como ela não se cansava de dizer a qualquer um que tentasse imiscuir-se em sua existência privada...
(continua na postagem seguinte)

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