segunda-feira, 13 de abril de 2009

PARANOIA URBANA (parte 3ª/6)

(continuação da postagem anterior)
Habituada à tranquilidade da cidade do interior, Mariana não se sentia à vontade com os costumes e as necessidades da vida metropolitana. Almoçar em restaurantes onde a falta de privacidade impunha presenciar ocasionais espetáculos grotescos, por exemplo; ou comer sanduíches suspeitos em lanchonetes abafadas; ou as curtas mas cotidianas viagens em ônibus com excesso de lotação, como agora, com um monte de guarda-chuvas gotejando sobre seus pés, constituiam para ela uma provação que solapava seu autocontrole. Ela lutava bravamente, mas sem sucesso, para se familiarizar com estes aspectos inconvenientes da sua vida, sentindo que precisava cimentar constantemente as bases da sua paciência para que não ruíssem. Apenas o retorno ao lar lhe proporcionava algum alívio, e seu único contentamento era ali permanecer, tentando esquecer os problemas, na companhia da sua filha.
Não gostava do seu trabalho: nele, era impossível se esquivar de intermitentes relacionamentos com clientes grosseiros ou mal-educados; havia, também, colegas importunos, aos quais não se devia conceder atenção além do mínimo de civilidade exigido pelas conveniências. Para piorar a situação, nem mais exercia as funções de secretária: sua chefe, sem maiores explicações, designara-a para substituir um escriturário que havia sido despedido, e parecia tê-la esquecido naquele serviço subalterno.
Dentro do escritório de engenharia, quando chegou da rua, o ar estava abafado e úmido. Mariana afundou-se na execução de um extenso e enfadonho relatório sobre o material de construção adquirido para uma obra em andamento. Ela era funcionária de uma firma de grande porte, que construía edifícios comerciais e residenciais e empreitava obras vultosas para setores governamentais. Apesar de atender eventualmente determinados clientes ou encaminha-los às seções apropriadas, seu serviço atual era específico e burocrático; porque não lhe exigia muito raciocínio, sonhava com a realização de tarefas mais complexas, ou a ocupação de um cargo de chefia. O acesso a ramos de atividades mais importantes frequentava-lhe a imaginação. Seria interessante, pensava, obter uma promoção que a afastasse das áridas pilhas de notas fiscais, que a livrasse das listas de materiais que aparentavam nunca ter fim.
(continua na próxima postagem)

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