terça-feira, 7 de junho de 2011

FÉ CEGA (PARTE 1ª/3)

A safra de milho deste ano foi um estouro? Salve Santo Antônio! A gigantesca abóbora-de-pescoço ganhou um prêmio na exposição agropecuária? Ave Santo Antônio! A porca Redonda pariu oito sadios leitões? Viva Santo Antônio!
No sítio do Ditão era sempre assim. Por qualquer me dá cá essa palha, tomem de vivas a Santo Antônio! Amém, meu Santo Antônio! Valha-me, Santo Antônio! — a súplica feita apenas raramente, como no dia em que a Eudineia, sua mulher, apareceu com frieira no entremeio do dedão do pé direito.
A louvação acontecia no lugarejo todo: no sítio, na igreja, no botequim. Em qualquer lugar em que estivesse Ditão, tinha-se de escutar a contínua lisonja ao santo. No açougue do compadre Raul, certa ocasião, chegou lá o Ditão.
— Compadre, quero duas picanhas.
— Só tem uma...
— Valha-me, meu Santo Antônio!!! Por acaso o compadre só matou meia vaca?
— Não, Ditão. Matei uma, inteira, mas mandei a metade da vaca, com a outra picanha, para o açougue do Zé da Cotinha.
— Tá bom. Uma picanha é melhor que nenhuma. Viva Santo Antônio!!!
Verdade que o Ditão tinha seus motivos para a devoção. Parece que tudo que nascia na sua propriedade era mais viçoso, mais tenro, mais sadio, melhor — com exceção da frieira que deu no dedão do pé da Eudineia. Os seus filhos, fazendo escadinha, depois da missa das oito, desfilavam lampeiros na pracinha da matriz.
A sorveteria do seu Fritz disputava com a padaria a sua produção de leite. O tourinho Brabante, parido pela Mimosa, foi condecorado com medalha de prata na exposição agropecuária local. “Graças a Santo Antônio!!!” O acaso do seu compadre Cornélio ter tomado parte da comissão julgadora não diminuía o valor da medalha para o Ditão, muito menos lhe subtraía o menor pedaço ao mérito do santo. Pelo contràrio...
A família e os amigos estranhavam aquelas louvaminhas. Acostumados, não diziam nem sim nem não. Quem ia querer puxar briga com santo, ainda mais um de tanta devoção. O padre não gostava daquela louvação sem medida; porém não criticava.
(continua na próxima postagem)

Nenhum comentário: