sábado, 11 de junho de 2011

FÉ CEGA - (PARTE 2ª/3)

(continuação da postagem anterior)
Mas o vizinho Simeão discordava abertamente.
— As planta nasce mais bunita no que é seu pur causa da terra, Ditão.
A frase era como se fosse uma ofensa grave à sua fé. Humilde, Ditão a engolia igual a um remédio amargo, apesar da revolta que lhe causava a descrença de Simeão. Replicava:
— E a medalha que o Brabante ganhou na exposição?
— Raça boa da Mimosa, mãe dele. — rebatia o vizinho.
“E uma ajudinha do seu compadre Cornélio” — completava, em pensamento.
Ditão coçava a cabeça: “Uma baita graça recebida, e Simeão não acreditava. Não era à toa que o homem tinha fama de metódico, esquemático. Ele é... mas é do contra, isso sim...”
Procurava um jeito de vencer a teimosia do vizinho e convertê-lo ao santo. Mas o diabo do homem era pirracento.
— A frieira da Eudineia!... — desesperava-se Ditão
— Quem curou ela foi o macerado de confrei, receita de siá Flausina, home!
Com Simeão não adiantava prosa. Não acreditava, mesmo. Parecia, até, que se fazia de desentendido de propósito, só pra aperrear.
De tanto querelar com o vizinho, passou a ser uma questão de honra para o Ditão converter o teimoso. Quanto mais Simeão negaceava, mais gana de alumiar o entendimento dele invadia o bajulador do santo. “Só mesmo com a ajuda de Santo Antônio!”, concluía.
A ocasião para tentar convencer Simeão pareceu surgir, no domingo seguinte, na pracinha da matriz. Os pardais chilreavam, aos bandos, na manhã ensolarada de primavera. Ditão, sentado num banco, esperava Eudineia — que já não mancava — e as crianças saírem da igreja. Nisso, por cima dos canteiros ressequidos, vai passando Simeão. Espingarda 22 a tiracolo; estivera caçando rolinhas e sabiás-laranjeira no pomar atrás do botequim para reforçar o almoço,
Ditão gritou: — Simeão!
Este, contrafeito, assentou-se no lugar que o vizinho abrira para ele no banco. O alvo da conversa de Ditão foi o esperado: Santo Antônio! Simeão era de pouca conversa, e não gostava de falar sobre lavoura nem gado; o pessoal da roça estava cansado de falar sobre isso, e qualquer outro assunto servia para distrair; esse papo-furado e invariável do Ditão sobre Santo Antônio já enchera as medidas.
— Já sei! Pra acreditar na força do santo, você precisa de uma prova! — exultou Ditão com a magnífica ideia que acabava de ter.
— Que prova, que mané prova, home?
— Um milagre, uai! — exclamou Ditão, felicíssimo com a ideia, e de olho na espingarda.
(continua na postagem seguinte)

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