quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

FELICIDADE, FELICIDADE, FELICIDADE (parte 5ª/5)

(continuação) * * *
Em Belo Horizonte, o envelope contendo a resposta malcriada de Antônio Carlos foi aberto pelo destinatário, em seu recém-inaugurado escritório de arquitetura e urbanismo — após receber o prêmio da loteria, o arquiteto trocou rapidamente de endereço. Fumando um raro charuto cubano, leu a carta, sorriu e pensou: “Este irmão sempre foi rabugento. O que mais o incomodou foi a falta de uma assinatura. Azar dele, se não acreditou na minha oferta, pensando que eu estava fazendo uma brincadeira de mau gosto. Ele sente prazer com a própria rabugice”.
Tirou da gaveta superior da sua escrivaninha as outras duas cartas que recebera, de Roberto Eduardo e de Eduardo Roberto. Abriu a de Roberto Eduardo, cujo envelope estava carimbado por uma agência dos correios de Diadema. Intuía que a recusa daquele irmão se baseava em falsos motivos, bem como não lhe soavam sinceros os agradecimentos. Tinha quase certeza de que o orgulho do irmão o impedira de aceitar a sua oferta. Propôs-se tratar disso noutro dia.
Augusto César lhe telefonara. Pensar em dinheiro era a função habitual do cérebro do seu irmão “rei do gado”; seu deus era o lucro. Mas ele tinha lá certa ética, pois não era do seu feitio recusar dinheiro. Poderia ter-lhe dado um prazer enorme, quem sabe, ao fornecer-lhe a oportunidade de não aceitar a sua oferta. Talvez a felicidade dele se reduzisse a isso, ter tanto dinheiro que podia se dar ao luxo de recusar a entrada de algum que proviesse de determinados canais. Ou talvez fosse a sua consciência impedindo-o de receber um auxílio que não soubera oferecer aos seus irmãos, quando tivera a oportunidade e os recursos para fazer isso.
Recebera, também, um telefonema de Carlos Antônio. Pensou no quanto lamentara aquele telefonema. O irmão, que morava no Paraná, não estava em seu juízo perfeito. Ele tentara explicar-lhe porque não podia satisfazer seu pedido: a compra da agência de automóveis não poderia se concretizar, pela injustiça que faria com os outros irmãos se pagasse o elevado preço da transação. E traria um problema que ele não sabia resolver: quem administraria a concessionária? Carlos Antônio não tinha condições, ele percebera isso pela fala engrolada do irmão, audivelmente bêbado àquela hora, e praticamente teve que explicar isso pelo telefone. A conversa — se é que houvera uma conversa — terminara bruscamente, quando Carlos Antônio bateu com o fone depois de vomitar algumas frases, em que a palavra mais amena que ele gritara fora “bunda”.
O arquiteto apanhou a carta de Eduardo Roberto e leu-a outra vez. Era a única resposta que lhe agradara e a recusa que julgara sincera. Eduardo Roberto morava em Boa Esperança. Gostava tanto da cidade que não se vexara em descrevê-la como a “jóia do Sul de Minas e do Brasil, que contempla embevecida a sua famosa serra refletida em seu belo lago”, para ajudar a convencê-lo a lhe fazer uma visita. Ufanismo à parte, o irmão lhe confidenciava como vivia bem ali, com a esposa (a filha já se casara, e brevemente lhe daria um netinho), que possuía quase todas as coisas materiais que precisava. Por isso, lhe agradecia, mas rejeitava a oferta. Dizia, enfim, que estava feliz e desejava que o dinheiro do prêmio lhe trouxesse, além da riqueza, a felicidade que ele queria doar aos irmãos.
“Ah! Felicidade, felicidade, felicidade”, pensou o "Arquiteto", “como você pode ser tão abstrata, subjetiva, etérea... como a pluma que o vento leva sem saber onde vai pousar... Quem sabe, a felicidade seja o mergulho de cabeça, incondicional, nas águas inescrutáveis da própria vida. Afinal, a seu modo, cada um dos meus irmãos tem a parcela de felicidade que merece; ou do arremedo dela, como o prazer doentio que Carlos Antônio encontra nas drogas. ‘A felicidade não se compra’ — sempre ouvi dizer, mas agora comprovei — e também não se oferece: cada um tem que conquistar, todo dia, a sua porção... Todos eles, sinceros ou fingidos, recusaram a minha oferta. Perfeito! Se me contassem, eu não acreditaria”.
O "Arquiteto" premeu o botão do interfone. Quando a secretária atendeu, ele disse que ia embora, desligou o aparelho, apagou as luzes e saiu.
F I M

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