domingo, 24 de fevereiro de 2008

FELICIDADE, FELICIDADE, FELICIDADE(parte 4ª/5)

(continuação)
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Carlos Antônio não se lembrava mais do porre de Fogo Paulista que pegara na formatura do irmão mais novo; nem da briga que iniciara por causa de um pandeiro. Não tinha mais lembranças que pudessem ser avivadas com a chegada daquela carta. Mal, mal, conseguia recordar que fora uma época boa na vida de todos os seis irmãos. “Mas”, pensou, “quando se tem 26 anos, saúde e dinheiro, tudo vai bem”. Num doloroso esforço, ele exumou da memória as lembranças da separação dos irmãos, cada um procurando seu rumo, que ele classificava, rindo cinicamente, de “inevitável distanciamento”.
Carlos Antônio morava de favor na casa do genro, em Londrina, num quartinho dos fundos que sua filha mantinha habitável, apesar dos esforços que ele fazia para destruí-lo quando estava bêbado e drogado. Viera para Londrina já adulto, empregara-se como mecânico e depois inaugurara uma oficina de consertos e lanternagem, um negócio que prosperou além do que ele esperava. O Paraná era um lugar que quase sempre premiava quem tivesse o tino de empresário e fosse trabalhador. Nessa época, ainda conseguia disfarçar o vício. Mas ele começara a perder o controle da bebida e os fregueses foram rareando, devido ao seu comportamento agressivo, até que vendera a sua oficina para três empregados, que se associaram e conseguiram transformá-la numa agência de automóveis usados e, depois, numa concessionária. O dinheiro da venda da oficina fora embora rapidamente, numa revoada que coincidira com a chegada de outra calamidade: as drogas. A bebida, sozinha, já não lhe trazia o esquecimento de todas as desgraças que caíram sobre ele, conforme gaguejava quando tentava justificar seus vícios para os bêbados que ainda toleravam a sua companhia.
Agora, chegara aquela carta e ele queria comprar sua oficina de volta. “Para isso, vou precisar de muito mais grana do que o puto do meu irmãozinho oferece”, calculou Carlos Antônio, alterado pela mistura da bebida com a droga.
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“Perfeito!”
Eduardo Roberto parecia ter voltado no tempo para escutar o caçula exprimir, com esta palavra, a alegria que o irmãozinho sentira na sua formatura na escola de arquitetura. O cacoete do mano era conhecido. Houve uma vez em que ele abusara da mania, no enterro de um amigo da família, ao dar os pêsames à viúva, pois usara a palavra três vezes em menos de um minuto: uma vez para destacar o número de amigos que lotava a sala do “concorrido velório”, outra para elogiar o aspecto luxuoso do féretro e a terceira para realçar as qualidades do defunto.
Não levava a sério as gracinhas e os trocadilhos de seu irmão. Recebera a carta dele durante a tarde daquela quinta-feira na mineira Boa Esperança, onde morava desde que saíra da casa paterna. Ignorava se tratava-se de uma brincadeira. Ia responder como se acreditasse em tudo que estava escrito. Podia ser uma oportunidade de reaproximação. Mas, que perigava ser mais uma brincadeira daquele irmão desabusado, lá isso perigava...
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(continua)

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