quinta-feira, 6 de novembro de 2008

FIDELIDADE ASSASSINA (parte 2ª/5)

(continuação)
Para Justino, a vida não era nem boa nem ruim. Eram-lhe dados teto e comida. Trabalhava, em troca disso, desde a hora em que acordava, às cinco da madrugada, até a hora de deitar-se, sob a tutela e a tirania de dona Amélia. Tirava leite das vacas, matava e limpava frangos e porcos, servia à mesa e de moleque de recados. Porém, entre uma tarefa e outra, desfrutava de bastante tempo livre para acabrunhar-se, seja vadiando entre o terreiro de café e os currais, à sombra das jabuticabeiras, ou intrometendo-se na lengalenga das empregadas enquanto ultimavam um almoço ou um jantar na espaçosa cozinha da casa senhorial.
Seu Chico o evitava e raramente lhe dirigia a palavra; dona Amélia o azucrinava com ordens o dia inteiro, mas ele sempre achava um jeito de escapulir da sua prepotência. O pior que lhe sucedia era agüentar calado as brincadeiras sem graça de Pedro Paulo, um maganão louraço um ano mais velho do que Justino, filho último e temporão do casal de fazendeiros. Pepê, como era também chamado pelos familiares, estava atingindo a maioridade e era o único, entre seus outros nove irmãos, a permanecer na companhia dos pais. Justino odiava as peças que o Pepê lhe pregava, a maior parte das vezes quando estava desprevenido, acabando ainda por ter de suportar as acintosas gargalhadas do caçula peralta.Naquela véspera do primeiro dia do ano, a rotina da casa sofreu um esperado transtorno. Os hábitos pacatos e econômicos, observados durante a maior parte do tempo, foram voluntariamente deixados de lado. Dona Amélia convocou a força de trabalho das mulheres de alguns agregados. Chegou dona Filomena, ao raiar do sol, para comandar a feitura dos doces no gigantesco tacho de cobre, instalado de modo perene sob um telheiro atrás da cozinha. Matilde e Lourdes vieram dos ranchos que ocupavam, erguidos à beira do Corguinho dos Lambaris, para cuidar das carnes dos porcos e das aves, fazer lingüiças e chouriços, assar lombos e pernis no forno de barro, em forma de iglu, construído sob o mesmo telheiro, e pururucar leitoas no fogão da cozinha. Também Luzia, que dormia na casa-grande em semelhantes ocasiões porque morava mais distante, no retiro do pastinho da serra, desde a madrugada se esfalfava na confecção de bolos e das guloseimas e dos doces mais finos.
(continua na próxima postagem)

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