domingo, 29 de março de 2009

PARANOIA URBANA (parte 1ª/6)

Mariana flutuava na penumbra ofuscante do galpão. Visualizava-o como um escritório de dimensões desproporcionais, envolto numa sufocante neblina. O teto parecia baixar sobre sua cabeça, aumentando a sensação pungente de falta de ar; as goteiras deixavam-na ensopada. O lençol de água em que ela chapinhava concorria para imobilizá-la, tornando imprecisos seus esforços para sair daquele lugar. A umidade deslizou-lhe pelo ventre e vazou entre suas coxas... Em torno da sua virilha desenhou-se, nas calças jeans que vestia, uma mancha vermelha. Ficou envergonhada, como vítima de uma hemorragia íntima no meio de todas aquelas pessoas estranhas, que a circundavam com ares ameaçadores. Só a presença da chuva simulava uma espécie de realidade naquele sepulcral mundo de neblina...
A chuva fustigava as folhas das bauínias, plantadas em fila na beira da calçada, lá embaixo. Chovera a noite inteira...
Os dígitos vermelhos do rádio-relógio de cabeceira indicavam seis horas. O sistema despertador funcionou nesse momento, com uma estridência irritante. Mariana acordou desorientada, nas brumas do pesadelo, que se desfaziam. Aliviada com o fim do mau sonho, mas contrariada com a interrupção do seu sono, premeu o botão que desativava, por um breve período, o alarme do aparelho, cerrou os olhos e dormiu por mais cinco minutos. Essa espécie de ritual matutino repetiu-se por mais duas vezes. Por fim, ergueu-se da cama e aproximou-se da janela do seu quarto, dois andares acima da rua, que ela observou pelos vidros embaçados. A enxurrada descia pela sarjeta, rápida como uma cascata; o azul do céu cedia o espaço a escuras nuvens cinzentas, anunciando um dia típico de contínuo aguaceiro na capital.
Transpondo o corredor do apartamento, ela entrou no quarto da sua filha de dezessete anos e despertou-a. Depois tomou um banho de chuveiro, bem quente, mas, sem conseguir se relaxar, dirigiu-se para a cozinha onde preparou o café da manhã.
Mariana Alves Coelho era uma mulher de quarenta e seis anos. Enviuvara dois anos antes, após uma longa doença de seu marido, e vira-se compelida a trabalhar pela sua sobrevivência e a da sua filha. Aceitara a oferta de um amigo da família, dono de um escritório de engenharia, para trabalhar como secretária. Mas não possuía qualificação profissional maior que um razoável desempenho datilográfico. Acreditava, por isso, ter contraído uma dívida eterna para com o empresário. Para trabalhar, mudou-se do interior para Belo Horizonte. A loja de autopeças do marido foi vendida, e então ela comprou um apartamento pequeno, de dois quartos, em um prédio decadente do bairro Padre Eustáquio. Agora vivia da pequena pensão que recebia da previdência oficial e do seu salário de secretária.
(continua na próxima postagem)

2 comentários:

Luiza Miranda disse...

Oi meu bem,
Seu blog continua fantástico.
Parabéns.
Beijocas
Lulu e Pedrão

Lamartine Miranda disse...

Lulu e Pedrão,
Um muito obrigado pelo incentivo, embora tardio, pois não tenho o hábito de voltar tanto nas postagens antigas. Farei isso, doravante.
Lamartine Miranda.